por Susana Broco*
Mercado Mundial
Por força das características do transporte marítimo, os navios têm de ser abastecidos de combustíveis (bancas) em toda a parte do mundo, fazendo com que o negócio de compra e venda das bancas seja um mercado internacional.
Em toda a parte são comercializadas, anualmente, perto de 300 milhões de tons de combustíveis marítimos, sendo cerca de 75 % de fuéis e 25% de gasóleos e representam um valor acima dos 100 mil M€, aos preços actuais do mercado. O gás natural ainda tem uma representatividade muito residual, na ordem de 0.01% e está dirigido sobretudo ao mercado de ferries. A distribuição da comercialização de bancas pelo mundo não é equitativa, existindo portos onde a comercialização de bancas tem um peso substancial. No gráfico estão indicados os cinco portos com maior volume de comercialização de bancas, representando 30% do mercado internacional.
Dentro destes cinco portos, alguns, como Hong Kong e ARA, são portos de carga, ou seja, o fornecimento das bancas é consequente com a operação comercial dos navios, mas há outros portos onde as bancas têm um peso substancial ou mesmo maior do que as operações de carga, como é o caso de Gibraltar. Aqui, é a sua posição geoestratégica e a visão comercial por parte dos seus governantes e operadores que fazem de Gibraltar um porto de bancas. Para além destes portos existem muitos outros onde o abastecimento aos navios é primordial na economia portuária. Por outro lado, existem áreas do planeta cujo serviço de abastecimentos aos navios é reduzido ou inexistente, mesmo portos onde as operações de carga/descarga são significativas. Outros há em que apenas um dos produtos existe, normalmente o gasóleo.
IMO 2020
A preocupação com o meio ambiente é cada vez maior, tanto ao nível governamental como das organizações e instituições internacionais. A urgência em reduzir as emissões de gases poluentes para a atmosfera vai impor novas regras no transporte marítimo. Há poucas décadas, o transporte marítimo era o destino dos combustíveis de pior qualidade, mas, com o avanço tecnológico, este paradigma foi-se alterando, especialmente nos últimos anos, com o despertar para a urgência da protecção do planeta e da redução das emissões poluentes e gases com efeito de estufa.
O mercado das bancas está, neste momento, em grande transformação devido à nova diretiva da IMO que entra em vigor a 1 de janeiro de 2020, obrigando os navios a queimar combustíveis com um teor máximo de enxofre de 0.50% fora das ECA (Emmission Control Area) onde o limite máximo é de 0.10%. Esta imposição vai provocar um aumento do preço dos fuéis e, consequentemente, do preço dos fretes. Essa subida prende-se com o custo de produção e com o preço da matéria-prima (petróleo bruto), pois será necessária a refinação de petróleos de baixo teor de enxofre, cujo preço é mais elevado.
Existe, no entanto, uma solução para que se possa continuar a queimar combustíveis de alto teor de enxofre: colocar a bordo dos navios um Exhaust Gas Cleaning System, mais conhecido como scrubber. O scrubber permite a limpeza do enxofre dos gases de evacuação da máquina principal de um navio de forma a que a emissão para a
atmosfera fique aos níveis de um teor de enxofre praticamente inexistente. No entanto, um scrubber obriga a um investimento de 3 a 5 M€ e à imobilização do navio em doca para a sua montagem. Para além disso, existe uma discussão acesa quanto à sua eficiência, não no que toca à limpeza dos gases, mas no que respeita à proteção do meio ambiente. Isto porque as águas provenientes da limpeza dos gases são descarregadas para o mar, excepto nos scrubber open loop, que são uma curta minoria devido às suas limitações.
A outra solução para evitar as emissões de NOx é a queima de gás natural. Este combustível tem tido alguma aceitação para ferries, devido ao tipo de viagens e ao facto de poderem abastecer sempre na mesma instalação fixa, mas menos do que se pensava inicialmente no restante mercado de shipping. O seu alto custo de transporte e armazenagem tanto a bordo como em terra, o espaço necessário a bordo, o custo de entrega, a perigosidade e o exigente manuseamento canalizam as preferências dos armadores para as outras soluções.
Bancas nos Portos Nacionais
Em Portugal, o fornecimento de bancas teve início em 1901 com a Colonial Oil Company, que se estabelece no Cais da Madeira, na Doca de St. Amaro, fornecendo petróleo iluminante e sobretudo carvão até 1904, quando a Colonial é adquirida pela Vacuum Oil, que passa a assegurar este negócio.
Em 1910 entra outro operador em Lisboa, a Shell, instalada na Banática. Nesta altura, é ainda o carvão o combustível predominante, visto que a grande maioria dos navios possui máquina alternativa a vapor com caldeiras a carvão. Esta realidade perdura até ao fim da II Grande Guerra Mundial, quando se dá a grande mudança para os motores diesel. É apenas no final da década de 40 do Séc. XX que a Sacor inicia o negócio de bancas a partir de Cabo Ruivo, seguida pouco depois, pela Sonap, sendo que estas operações de fornecimento de bancas eram ainda insipientes. Foi a partir dos anos 50, após o “Despacho 100” do Almirante Américo Thomaz, que a frota mercante nacional foi modernizada e, consequentemente, o fornecimento de bancas em Portugal tomou uma dimensão estruturada que muito tem vindo a evoluir até aos dias de hoje. Neste momento, o maior fornecedor de bancas em Portugal é a Galp, que opera com três barcaças com uma capacidade total de 14.000 tons, para além dos meios de entrega: veículo-cisterna e pipeline.
Portugal tem crescido bastante nos últimos anos no mercado de bancas. Até há relativamente pouco tempo, apenas eram abastecidos os navios que arribavam para operações de carga/descarga. Actualmente, por agora apenas no Porto de Lisboa, há um crescente número de navios a arribar unicamente para a operação de bancas (bunkers only call).
O negócio de bunkers only foi identificado há alguns anos pelos portos do Estreito de Gibraltar, no caso dos navios que navegam de, ou para, o Mediterrâneo, e os portos das Ilhas Canárias para os navios que navegam nesta zona do Atlântico. Portugal encontra-se numa rota de grande movimento podendo também, a par destes portos vizinhos, passar a ser um local de bunkers only. Para além da sua posição geográfica privilegiada, Portugal possui, junto ao Porto de Sines, uma refinaria que produz combustíveis de marinha. A proximidade da refinaria ao Porto de Sines permite uma competitividade e uma aptidão logística que não existe, por exemplo, nas Ilhas Canárias. Em consequência disso, a Galp tem desenvolvido o negócio chegando a todos os portos nacionais do continente e ilhas.
Nos portos de Las Palmas e Tenerife é fornecido anualmente um volume de cerca de 3 milhões de tons de bancas e no Estreito de Gibraltar 8 milhões, o que significa que há forte potencialidade para o crescimento desta actividade em Portugal. No entanto, é fundamental oferecer um serviço moderno, eficiente, rápido e com produtos de boa qualidade, mas também é imperativo que esse serviço seja competitivo.
Quando se fala de competitividade, não basta referir o preço dos combustíveis e/ou das Administrações Portuárias, pois existem muitas entidades/autoridades envolvidas que praticam preços que quase inviabilizam a actividade e que levam os armadores/operadores dos navios a preferir os portos nossos vizinhos, onde o produto tem o mesmo preço mas os custos inerente à entrada e estadia no porto são significativamente inferiores. Há aqui uma oportunidade de crescimento económico que se está a perder, porque as inspecções têm um custo demasiado elevado ou porque a sua fórmula de calculo não está adaptada à realidade. Outro motivo é o facto das taxas aplicadas por algumas autoridades serem iguais quer o navio venha operar carga ou apenas para bancas, encarecendo a arribada do navio e operação de abastecimento. No caso de navios que arribam a Lisboa apenas para bancas, a Administração do Porto de Lisboa tem tido um papel preponderante no desenvolvimento desta actividade ao tornar Lisboa mais atractiva, reduzindo as taxas para esses navios. Mas ainda há muito trabalho a desenvolver por parte de outras entidades/autoridades. É importante salientar que quando um navio arriba a um porto para fazer bancas acaba por solicitar outros serviços de que necessita – mudança de tripulação, embarque de peças sobressalentes e/ou viveres, aguada, pequenas reparações, etc. Estes serviços prestados permitem o crescimento da economia portuária e, consequentemente, da economia nacional, criando, postos de trabalho e riqueza para o país.
Olhando para Portugal com uma visão global de desenvolvimento, é possível identificar os Portos de Sines e de Lisboa como complementares um do outro. Lisboa não pode receber navios de maior calado, mas é um porto mais protegido, enquanto Sines, apesar de ser mais aberto, permite a arribada de navios de grande calado. Outro exemplo, de uma forma diferente, mas também com lugar para crescimento na indústria de fornecimento de bancas, é o Porto de Setúbal. Quando os navios terminam as suas docagens/reparações na Lisnave necessitam de bancas para se fazerem ao mar. No entanto, o impedimento por parte das autoridades de fornecimentos em fundeadouro obriga os navios a dirigirem-se propositadamente a Gibraltar, mesmo quando o seu destino é o Atlântico Norte.
A operação de fornecimento de bancas obriga ao cumprimento rigoroso de regras de segurança e de protecção do meio ambiente que, de forma alguma, se pode descurar. Todas essas regras estão regulamentadas pelas várias organizações/convenções internacionais: a Convenção MARPOL, a Convenção STCW (International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers), FOBAS (Fuel Oil Bunker Analysis Service), etc. Cabe, naturalmente, às empresas fornecedoras cumpri-las e às autoridades fazê-las cumprir, pois os navios necessitam do combustível para navegar. Fornecer bancas, tal com qualquer operação de carga/descarga de hidrocarbonetos, envolve riscos e por isso, requer o cumprimento de rigorosas regras para a sua mitigação. Desta forma, esta tarefa deve ser desempenhada por empresas especializadas neste mercado. Caminha-se nesse sentido, mas ainda não chegámos à era das energias totalmente limpas e renováveis, como o hidrogénio, no transporte marítimo. Consequentemente, e até lá, é imprescindível abastecer os navios com os combustíveis existentes. Empurrar as operações de abastecimento para outras zonas do planeta não é um acto responsável nem sustentável. Há que efectuar a operação de fornecimento de bancas de forma correta, segura, responsável e cumprindo as normas e recomendações dos organismos/convenções internacionais que regulam a actividade. Para além disso, Portugal não deve perder nunca uma oportunidade de mercado que lhe permita o crescimento económico, mais a mais numa área que pode ser duradoura, sobretudo se estiver preparado para a chegada da nova geração de combustíveis.
Portugal poderá estar na linha da frente, mas, para isso, necessita de criar as condições adequadas, tanto a nível operacional como económico. O desenvolvimento do país passa pelo trabalho de todos: dinâmico, responsável, sustentável e direccionado para futuro.
*Engenheira Maquinista Naval